Nagasaki possuía uma florescente comunidade católica, já marcada por uma trajetória de mártires cristãos vitimados pelo ódio à fé
Todos os anos, no mês de agosto, o mundo recorda os dois trágicos dias em que, já no final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos lançaram as bombas atômicas sobre o território japonês. No dia 6, o alvo foi Hiroshima. No dia 9, Nagasaki.
A segunda cidade possuía uma florescente comunidade católica, já marcada por uma trajetória de mártires cristãos vitimados pelo ódio à fé nos séculos XVI e XVII, quando as missões dos padres jesuítas e franciscanos foram fazendo de Nagasaki um importante centro do catolicismo no Japão.
Em 1945, a cidade tinha cerca de 240 mil habitantes, dos quais 63 mil era católicos: destes, ao menos dois terços foram mortos naquele 9 de agosto.
Mas por que Nagasaki?
O alvo inicial, depois de Hiroshima, era a cidade de Kokura, mas, segundo a versão mais difundida, as condições meteorológicas levaram o alto comando militar norte-americano a rever a sua “escolha”. Foi quando Nagasaki entrou na mira.
A bomba matou 75 mil pessoas pelo próprio impacto da explosão e, nos dias seguintes, assassinou outras 75 mil em decorrência das lesões e doenças causadas pela radiação.
O cardeal Giacomo Biffi comenta e questiona sobre o caso:
“Vamos supor que as bombas atômicas não tivessem sido jogadas ao acaso. Essa pergunta se torna inevitável: por que foi escolhida para a segunda bomba, entre todas, precisamente a cidade do Japão onde o catolicismo, além de ter a história mais gloriosa, estava mais difundido e consolidado?”
O cardeal recorda que já no século XVI surgiu a primeira comunidade católica sólida em Nagasaki. No dia 5 de fevereiro de 1597, 36 mártires entregaram a vida por Cristo naquela cidade: 6 missionários franciscanos, 3 jesuítas japoneses e 26 leigos. Em 1862, eles foram canonizados pelo Papa Pio IX.
Durante a perseguição intensificada em 1637, foram assassinados cerca de 35 mil cristãos. Depois desse episódio bárbaro que o mundo praticamente não conhece, a pequena comunidade cristã começou a se reunir nas catacumbas, privada de sacerdotes e de contato com o restante do mundo católico. Mas perseverou e não foi extinta. Em 1865, o pe. Petitjean descobriu essa “Igreja clandestina” e conseguiu aos poucos retomar nela a vida sacramental. Ainda foram necessários mais de 20 anos para que, em 1889, fosse proclamada a plena liberdade religiosa no Japão. Em 15 de junho de 1891 foi criada canonicamente a diocese de Nagasaki. Em 1927, ela finalmente teve o seu primeiro bispo japonês, Dom Hayasaka, pessoalmente consagrado pelo Papa Pio IX.
Em sua vasta obra sobre a história das missões católicas, Joseph Schmidlin informa que, em 1929, havia 94.096 católicos japoneses, dos quais nada menos que 63.698 eram de Nagasaki.
A pergunta do cardeal Giacomo Biffi mereceria, certamente, uma resposta.
“Por que foi escolhida para a segunda bomba, entre todas, precisamente a cidade do Japão onde o catolicismo, além de ter a história mais gloriosa, estava mais difundido e consolidado?”