Palavra do Bispo
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A Quaresma se refere a quarenta, derivada da tradição bíblica, o número quarenta representa a plenitude de uma vida ou uma vida inteira. Os 40 anos que o Povo hebreu passou no deserto, e os quarenta dias que Jesus passou no deserto jejuando são indicativos de uma realidade que afeta cada pessoa.
O Evangelho diz que Jesus foi tentado no deserto (Mc 1,12-15). O deserto é lugar da dificuldade, morada dos demônios e, sobretudo, lugar da tentação. É uma metáfora apropriada da vida de cada um de nós e da vida do nosso povo, tentado ao desespero diante da miséria, corrupção dos que deveriam velar pelo bem comum, falta de esperança.
No deserto, o povo de Deus foi tentado, Jesus também o foi. E ali, em meio às tentações, tanto o povo de Deus como Jesus puderam discernir e decidir pelo projeto de Deus que é caminho de justiça, liberdade e paz. O povo, ao sair do deserto e entrar na Terra Prometida, tinha um projeto alternativo de vida na justiça e no direito. Jesus, ao sair do deserto, tem o projeto do Reino de Deus, no qual todos são incluídos numa fraternidade que se pode chamar de universal.
Fiódor Dostoievski escreve no seu romance imortal (Os Irmãos Karamazov) que estas tentações de Jesus no deserto sintetizam a história da humanidade: “São as três formas em que se cristalizam todas as contradições insolúveis da natureza humana” (Livro V, 5). As tentações de Jesus são as tentações de cada um durante toda a vida, e que o mesmo escritor assim sintetiza: “Em teoria, pode-se amar seu próximo, e até mesmo de longe se o pode; de perto, é impossível”.
O projeto de Deus é uma vida no amor que produz justiça, cujo fruto é a paz. No entanto, o projeto de Satanás é um mundo onde o que vale são os bens materiais, a vaidade e o poder que domina, a força do mais forte. Constata-se com assombro, que na cena internacional, as coisas vão tomando este rumo sinistro.
Assim como Jesus, vivemos em nossa vida esta contradição: de um lado, o Espírito Santo nos impelindo a vencer o mal fazendo o bem. De outro lado, o Espírito do mal que nos impele para os pantanais da alma, precipitando-nos numa vida de egoísmo narcisista que leva ao vazio.
Entre o projeto de Deus e o projeto de Satanás para este mundo, o ser humano tem de decidir. O projeto de Deus é inspiração, o projeto de Satanás é tentação. Os frutos estão aí. A violência e a insegurança alarmantes, com as quais infelizmente, estamos nos habituando, são frutos do mal, do projeto de Satanás. É preciso resistir às tentações.
Quaresma é tempo de conversão, de discernimento e decisão: optemos pelo projeto de Deus e assim poderemos continuar provando que “a paz é fruto da justiça para o ser humano e a criação”, como nos propõe para reflexão a Campanha da Fraternidade deste ano.
O tema da Campanha da Fraternidade 2025 é: “Fraternidade e ecologia integral”, e o lema é “Deus viu que tudo era muito bom”(Gn 1,31). Nos é recordado o papel de guardiães da Criação que cabe ao ser humano. Preservar e promover a vida humana, preservar e cuidar da Criação, o mundo que Deus criou para nós seres humanos, a Casa Comum. Atravessemos o deserto da conversão, para que convertidos ajudemos a preservar a Criação, do contrário, ela se tornará um deserto e a vida será impossível sobre a terra.
+Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André
Fonte: https://diocesesa.org.br/2025/03/quaresma-atrevessar-o-deserto/